Ai, deu cãibra
Súbita e sorrateira, ela surge quando menos se espera. Na calada da noite, embaixo dos lençóis. No domingo ensolarado, dentro da piscina do clube. Ou no futebol de terça, depois daquele pique pela direita. Quem já teve sabe… É uma dor paralisante, que pode durar de alguns segundos a vários minutos. Basta uma leve flexão do pé para baixo e… ai! A batata da perna contrai-se parecendo dar um nó. Eis a cãibra se manifestando, para desespero de suas vítimas. Mas o que provoca essa dor súbita? O que fazer para preveni-la? E como se comportar quando ela aparece?
Os especialistas ainda discutem as causas dessa contração muscular violenta e involuntária. O que existe são algumas pistas importantes para entendê-la. A cãibra geralmente se manifesta na prática de uma atividade física, sobretudo se o esportista estiver, digamos, pouco condicionado — ou mal alimentado. Sim, quando os músculos carecem de condições adequadas para realizar um esforço diferente do habitual, é espasmo na certa. “Quem exagera no tempo ou na intensidade do exercício pode sofrer cãibras por falta de vitaminas e sais minerais, o que leva à fadiga muscular”, explica o educador físico Renato Dutra.
A escassez de oxigênio na circulação também contribui para esse cansaço extremo dos músculos. Quem um dia precisou ser socorrido devido a uma baita repuxada da musculatura já deve ter ouvido falar sobre um tal de ácido lático sem saber que substância é essa. A gente explica: trata-se de uma espécie de lixo orgânico que se acumula nos tecidos musculares quando as células usam a glicose para obter energia. Isso permite ao músculo continuar o esforço sem necessidade de recorrer ao oxigênio proveniente dos pulmões. Mas o excesso de ácido lático deflagra encrencas. “É como se a musculatura ficasse sem ar e com menos espaço para se mover. E isso gera fadiga”, ilustra o fisioterapeuta Robert Velentzas, de São Paulo. “Por isso a respiração correta é tão importante durante o exercício.”
O suor da atividade física é mais um fator que ajuda no desencadeamento de cãibras. “A perda excessiva de sódio pode levar à contração muscular”, diz o fisiologista Turíbio Leite de Barros, da Universidade Federal de São Paulo. Mas o excesso de exercício, sozinho, não é suficiente para explicar o aparecimento dessas contrações famigeradas. No meio esportivo, os especialistas sabem que o xis da questão pode estar no que se bebe — na verdade, no que não se bebe. “A desidratação é decisiva para a ocorrência do problema”, informa Barros.
E quanto às cãibras noturnas? Segundo o ortopedista Moisés Cohen, chefe do Centro de Traumatologia do Esporte da Unifesp, quem faz muito esforço físico durante o dia pode ter contrações à noite. E quem não faz também — mas, nesse caso, a falta de sódio é o fator crucial. “O suor e a urina em excesso podem provocar a perda desse mineral e de outros elementos. E o organismo utiliza o sódio do músculo quando está sem reservas energéticas”, explica Cohen. “Isso gera uma resposta nervosa que leva a um estresse mecânico e às contrações involuntárias.” Ou seja… cãibras!
Moisés Cohen acrescenta que diabetes, problemas neurológicos e lesões vasculares podem estar por trás de um simples espasmo muscular. “São doenças capazes de favorecer o problema”, informa o especialista. “A insuficiência renal e a hemodiálise também contribuem para a redução da concentração de sódio no sangue e muitas vezes levam a problemas musculares, assim como a carência de outros minerais, como cálcio, magnésio e potássio.” O preparador físico Renato Dutra chama a atenção ainda para a síndrome das pernas inquietas, caracterizada por uma vontade incontrolável de mexer as pernas, principalmente durante o sono — e isso também pode disparar cãibras.
Não existe um tratamento específico para essas contrações. O melhor a fazer é se condicionar antes de partir para atividades físicas mais exigentes, comer e beber o suficiente para suportar a carga extra do exercício e procurar respirar profunda e coordenadamente durante os treinos. Quem sua mais de uma hora por dia também precisa repor nutrientes. Nessa situação, valem géis de carboidrato e líquidos isotônicos, além de água. “A pessoa que se prepara para a atividade física suporta melhor o esforço e retarda o surgimento de cãibra”, resume o educador físico Renato Dutra. Ou melhor: evita esse suplício e malha em paz.
ONDE DÓI?
A cãibra clássica acontece na batata da perna, ou panturrilha. É um grupo muscular muito exigido durante corridas, caminhadas e exercícios na água. Quem sobe escada ou fica dando pulinhos na piscina também força bastante essa região. No entanto, há outros músculos que podem ser acometidos pelos espasmos involuntários. “Além da panturrilha, só vi cãibras no abdômen”, relata Renato Dutra. “Mas elas também podem atingir coxa, pés, mãos e até pescoço”, informa o ortopedista Moisés Cohen, da Unifesp. Esses casos, porém, são raros.
O QUE FAZER NA HORA AGÁ?
Você já deve ter visto a cena em uma partida de futebol: o jogador faz alongamento no companheiro com cãibra. Pois saiba que esse procedimento pode provocar lesões mais sérias do que a contração. Na hora da dor, a tática mais certeira é respirar fundo, relaxar e massagear gentilmente o músculo repuxado, com movimentos sempre circulares. “Conforme a sensação dolorosa for cedendo, aí, sim, já dá para descontrair a musculatura com movimentos leves, sem forçar, no sentido inverso ao da contração, sem deixar de respirar e massagear em círculos” orienta o educador físico Renato Dutra.
PARA PREVENIR AS TRAVADAS
Não adianta alongar. O negócio é comer e beber bem. E, claro, se condicionar sempre.
ALIMENTAÇÃO BALANCEADA
Coma muita fruta, verdura e legumes, que são fontes de sais minerais e vitaminas. Esses nutrientes vão ajudar o bom funcionamento do músculo na hora do esforço, além de garantir reservas de energia.
ÁGUA E ISOTÔNICOS
A hidratação prepara o corpo para a atividade física. Por isso beba bastante água. Para quem faz muito exercício, é preciso repor principalmente sódio e potássio, daí a importância das bebidas esportivas durante o treino.
CONDICIONAMENTO FÍSICO
Para aguentar o tranco, o músculo tem de estar preparado. Mas isso não ocorre do dia para a noite. É preciso acostumá-lo ao exercício durante semanas, meses… Só assim ele vai se adaptar gradualmente a um regime de força e resistência.